O Brasil possui o maior rebanho bovino do mundo. A Índia, o segundo. O agro business informa que a cada segundo, um boi, um porco e 180 frangos são mortos. Que irônica carnificina, não é mesmo? Contudo, aqui, quero revolver ao sério assunto da chacina de afro-brasileiros, que ocorre há séculos, muitas das vezes, pelo próprio Estado, suas forças policiais, com sua conivência ou cumplicidade. Olhe para os mais altos postos de poder deste país, e pergunte-se, onde estão os negros, que correspondem a 56% da população?
Miraculosamente, esclareço que meu objetivo neste artigo não é induzir à revolta, negros contra brancos; mas sim, a uma conciliação e/ou reconciliação, tendo em vista um país plural que somos, em busca do projeto de Nação brasileira. Entretanto, cabe ressaltar sobre os meus escritos, os verdadeiros objetivos, despertar inquietação e desconforto, são alguns deles, como a escolha do título que dá nome a este artigo, baseado em uma das citações do poeta e negro, Solano Trindade. Contudo, neste teor, o Movimento Negro e seus pesquisadores, não estão praticando o 'mimimi', tão pouco, o exercício arbitrário das próprias razões.
Dia 21 de Março celebra-se o Dia Internacional de Combate ao Racismo. Esta data teve sua origem como "O Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial", e foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em referência ao "Massacre de Sharpeville". Vinte mil pessoas faziam um protesto contra a Lei do Passe, no ano de 1960, em Joanesburgo, África do Sul, que obrigava a população negra a portar um cartão que continha os locais onde era permitida sua circulação. Porém, mesmo tratando-se de uma manifestação pacífica, a polícia do regime de apartheid reagiu de forma agressiva sobre a multidão desarmada, resultando em 69 mortos e 186 feridos. Em memória a esse massacre, a ONU instituiu a data. São 61 anos desse episódio.
Racismo quer dizer, etimologicamente: Teoria ou crença que estabelece uma hierarquia entre as raças. Ainda, socialmente: o racismo é uma forma de preconceito ou discriminação motivada pela cor da pele ou origem étnica. Existem subdivisões. O racismo contém preconceito e discriminação. Mais ainda, são exemplos da prática racista institucional, abordagens mais violentas da polícia contra pessoas negras e a desconfiança de agentes de segurança e de empresas contra pessoas negras, sem justificativas coerentes. Há ainda, o racismo estrutural, difícil de ser notado por alguns. Esse, está cristalizado na cultura de um povo. Por muitas vezes, não parece prática discriminatória.
A sua presença pode ser notada na constatação de que poucas pessoas negras ou de origem indígena ocupam cargos de chefia em grandes empresas, sejam elas, privadas ou públicas; bem como, nos cursos das melhores universidades, a maioria esmagadora — se não a totalidade — de estudantes, é branca; nota-se também, na utilização de expressões linguísticas e piadas racistas. Pior ainda, quando vistas com normalidade, no momento que as constatações descritas acima, ocorrem e são tratadas. Uma sensível contribuição da arte cênica para perceber tudo isso, é o filme M-8: quando a morte socorre a vida -, uma produção nacional brasileira, que apresenta a trajetória de um jovem negro, morador da periferia, que torna-se estudante de medicina em uma concorrida universidade pública e, passa a enfrentar, no dia a dia, o racismo, nas mais diferentes faces.
Por conta desse exposto, no Brasil, grupos da sociedade civil e outros, sobretudo organizados nas universidades (especialmente as públicas), onde o senso crítico costuma ser mais aguçado, há uma série de atividades voltadas para conscientização da sociedade brasileira quanto à discriminação e desigualdade-étnicas. Ao considerar ser inegável que boa parcela da sociedade brasileira possua incompreensão e desconhecimento do teor das políticas públicas propostas por pesquisadores e ativistas étnico-raciais, bem como o que de fato houve nos séculos de escravização e suas consequências e, inevitavelmente, preciso mencionar que nos dias atuais, jovens negros, são chacinados nas periferias do Brasil afora (ou adentro), conforme os indicadores oficiais, uma campanha promove '21 dias de ativismo contra o racismo!' -, no mês de março, para fortalecer a luta antirracista.
Trata-se de uma série de eventos organizados de forma coletiva pela passagem da data. No Brasil, grupos da sociedade civil e outros, sobretudo organizados nas universidades (especialmente as públicas), onde o senso crítico costuma ser mais aguçado, há uma série de atividades voltadas para conscientização da sociedade brasileira quanto à discriminação e desigualdade-étnicas. Ainda hoje, para que o absurdo não se torne razão, algumas vezes é necessário falar o óbvio: racismo reverso não existe! Entre outras questões, quero dar voz aqui, ao que algumas mulheres e homens negros já ouviram: “Sua raça é resistente à dor”. Isso significa prática de racismo em atendimentos médicos. Por outras vezes, alguns profissionais da saúde não falam, mas agem como tal procedimento.
Há, historicamente, uma invisibilidade da negritude afro-brasileira. E, em memória aos manifestantes mortos em Sharpeville e para reforçar a luta antirracista, contra a discriminação racial e contra qualquer tipo de intolerância, a campanha “21 Dias de Ativismo Contra o Racismo!” vem propondo, com o passar dos anos, ocupar os espaços sociais e culturais do Brasil, para incentivar a sociedade, através de centenas de atividades, a realizar reflexões sobre o enfrentamento constante do racismo em todos os âmbitos sociais, sobre a luta contra a opressão militar e policial, às periferias, interpretada por muitos, como estado de exceção, etnocídio ou genocídio da população negra -, sobre as desigualdades raciais e para enaltecer a cultura negra e africana no Brasil. Esta luta é cotidiana, de todas e todos, mesmo após o fim dessa campanha, pois o problema é brasileiro, e não dos negros.
A estadunidense bell hoocks nos lembra: a luta de classes está intrinsicamente ligada ao fim do racismo. Ela, uma mulher com projeção mundial, uma gigante, como traduz essa citação, prefere em sua simplicidade, ter seu nome escrito assim mesmo, na forma minúscula, - como ela mesma autoescreve - , somente por causa da inspiração no nome da avó. E, do jornalista e escritor Alex Haley, no livro Negras Raízes, depreende-se que tudo era preservado na oralidade de seus ancestrais, enfatizado na trajetória de Kunta Kinte, bem como houve o desmantelamento de famílias e grupos tribais, com a escravização, e consequente fragmentação de identidades. Por isso, deve-se observar que o que está aí hoje, sobre étnico-racial, é fruto da caminhada de muitos anos, séculos até. “No Brasil não tem racismo, aqui o preconceito é social”. Quantas vezes você ouviu ou repetiu essa frase? De forma grotesca, ela resume o senso comum sobre o mito da democracia racial: somos um povo mestiço.
A gênese diz, as favelas, os presídios, as delegacias, as escolas públicas que estão lotadas majoritariamente de pessoas negras, mera coincidência. Com honestidade e trabalho árduo, todos podem chegar lá. Olhe para o Pelé. Veja o Joaquim Barbosa. Qual brasileiro é capaz de dizer em alto e bom tom, que é racista? Aqui, nunca tivemos um “Apartheid”. Então, logo deduz-se que o racismo não existe. Algo normal. Porém, não deveria ser naturalizado que a sociedade dispense menos afeto, menos amor, aos negros, como pesquisas acadêmicas dos psicólogos comprovam. Depois, há a hipocrisia do discurso: 'somos todos humanos!' Nesse pensamento, parafraseando Haroldo Costa, Genealogia de uma raça inteira, caçada nas matas, às margens das praias, à beira dos rios, que fora amontoada nos porões infectos dos navios negreiros e vendida em um ponto qualquer, como retalhos, nas Américas.
Conde Gobineau e a Eugenia. No segundo Império brasileiro, propagava-se a fantasiosa ideia de que negros somente trabalhavam coercitivamente e, além de defender a "raça pura" - de que brancos eram superiores - ele dizia que o negro era como criança inocente. Isso trouxe consequências, é claro! Então, é irrefutável a constatação da discriminação racial, sobretudo, à brasileira, obviamente, com "eixos duros e eixos moles", como diria o pesquisador Sérgio Pereira Dos Santos, doutor em Educação pela UFRRJ e professor na universidade Federal de Mato Grosso - UFMT. Eixos moles, são as áreas compostas por jogadores de futebol e cantores de pagode, por exemplos, onde geralmente negros costumam brilhar. Já no campo formal (eixos duros), como medicina, carreira diplomática, judiciário, ministérios do governo federal, vigoram o racismo estrutural, institucional etc. E, sobre a prática de discriminar, uns costumam tê-la e, outros, tolerar.
Hédio Junior, renomado advogado negro paulista, com doutorado acadêmico, discursou da tribuna do STF, certa vez, contra o racismo religioso às práticas de matrizes africanas e, entre outras palavras, ele citou esquizofrenia e hipocrisia na nossa sociedade. Jovens negros são chacinados, mortos como animais, cães, nas periferias brasileiras. Mas, faltam representações de instituições jurídicas e outros organismos, inclusive governamentais (e principalmente) para impedir que isso aconteça. Não há comoção! No entanto, há uma implicância com a “morte de galinhas nos cultos religiosos”.
A vida de pretos não possui relevância, para alguns. A considerar as palavras desse genial advogado, a Rede de Observatórios da Segurança, um projeto do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), coordenado pela professora Silvia Ramos, concluiu em 2020, que 75% dos mortos em operações policiais no Brasil, são negros. E, estudos feitos por Paulo Rangel, desembargador – uma das aves raras, diga-se de passagem, na condição de homem negro a ocupar um alto posto de decisão e poder -, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, aponta, como diz ele, é como se um boing caísse todos os dias, repleto de pessoas negras, para explicar os números alarmantes de mortes por causas exógenas. Essas são as principais vítimas dos autos de resistência. A cada 23 minutos, um jovem preto morre no país.
Por muitas vezes, assistimos discursos acalorados em prol do negro, da diversidade, do pluralismo. Entretanto, diante das proporções, ausência de projetos específicos, denota-se que a vida de preto “não tem valor social”. Geralmente, negros não têm familiaridade e trânsito com o poder, e nem por isso merecem ser tratados com menor dignidade e respeito. Nesse sentido, em conformidade com o artigo 5º da Constituição Federal e o pensamento do Ministro aposentado do STF, Joaquim Barbosa, que o direito à igualdade possa ser materializado. Ou seja, ações afirmativas pra valer, reparações já!
O afrodescendente não vive o maniqueísmo. Então, para quem pensa existir um único modo para viver, precisará adotar a ancestromania, ou seja, pesquisar seus antepassados na África. Isso aplica-se, inclusive, àqueles que dizem que os próprios negros vendiam seus irmãos. Então, o branco que descende de europeus, fala “ah, meus parentes são da Europa”, e o povo preto não posso dizer para você se seus parentes são de de Angola, da África do Sul, Moçambique… porque eles foram transportados à força, e os livros de registro sobre isso, segundo o que sabe-se foram queimados, por determinação de Rui Barbosa; destruídos numa atitude de inconsequência e rancor, assim como seus cúmplices, pessoas que discordavam da abolição da escravatura.
Uma nova prática criminosa está em alta. Entre outras formas, e não podemos deixar de citar o racismo estrutural e institucional. Há aqueles que sentem-se encorajados a praticar o contextual racismo na Internet. Muitos internautas que antes da popularização do conglomerado de computadores interligados não tinham coragem de se manifestar, encontraram na internet a ferramenta perfeita para alcançar o maior número de pessoas possível, a fim de divulgar seus pensamentos preconceituosos. Neste sentido existem milhares de sites, blogs, sites de relacionamentos que pregam o racismo, genocídio, neonazismo.
As pessoas aproveitam a facilidade de criar perfis falsos para disseminarem o ódio racial e intolerância. Há uma Lei, de 2006, do Senador Paulo Paim (PT-RS), que prevê pena de reclusão de dois a cinco anos e multa, aos responsáveis por crimes de discriminação, divulgados via internet.
Contra essas práticas, é preciso a ressocialização e prevenção, não só a prisão. E para Luana Tolentino, do estado de Minas Gerais, autora do livro Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula (editora mazza), afirma ser extremamente necessário o investimento na qualificação e formação inicial, continuada de professores, sobre as relações étnico-raciais. Isso vem de encontro com o autor vencedor do prêmio Jabuti, Itamar Vieira Junior, sobre o sonho de uma educação qualitativa para todas e todos, dada a dimensão continental do Brasil e suas desigualdades.
Todavia, em nome da sociedade brasileira, clama-se por equidade e justiça étnico-racial. E, entre outros componentes de uma legislação antirracista, está o Estatuto da Igualdade Racial, Lei federal nº 12.288, DE 20 DE JULHO DE 2010, onde o Art. 1o estabelece: “Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica”. Porque, por muitas vezes, desfazem, caçoam dos serviços e trabalhos adotados por cientistas, especialmente dos sociólogos, em favor do senso comum, ou seja, principalmente daqueles que atuam na área social. Contudo, esses profissionais que conseguem observar o vespeiro com maior meticulosidade e apresentar dados à sociedade, como o fato de que no país, ainda hoje, há o tronco do isolamento, sobretudo àqueles que não aceitam curvarem-se ao capitalismo escravagista ou, a qualquer esfera de governo à direita.
E a escravidão foi ou é, um transporte de nome para o capitalismo. No que denota, em uma República democrática, quem manda é o povo. E o recorte de povo negro compõe 56%, segundo o IBGE. É preciso sempre lembrar aos mandatários que, democracia, significa ou é sinônimo de participação, coletividade. Então, todos nós precisamos ser ouvidos.
O Brasil é regido como Estado democrático de direito, assim está escrito na Constituição Federal de 1988. Caso não sejamos ouvidos, precisaremos fazer algo, porque, para contribuir, faz-se necessário ser beneficiado, em um país que teve a mão de obra negra em suas filheiras para ser erguido, mas, que por outro lado, contou e ainda conta com os privilégios destinados às oligarquias, os dominantes, que geralmente não cedem para que tenhamos uma felicidade coletiva.
Alguns desses, são políticos, ora da linha conservadora ou à direita, e têm tentado inviabilizar a garantia de direitos aos grupos historicamente excluídos, como negros e indígenas. Ou seja, na atual gestão federal, um retrocesso nas políticas públicas. Vale lembrar que o atual presidente da República fora bastante claro sobre suas pretensões, durante a campanha eleitoral, e, ainda assim, curiosamente, ao mesmo tempo compreensível, cidadãos fizeram a opção por ele. Padecemos! Nesse ínterim, nós, enquanto Movimento Negro (que existe desde os navios negreiros), antirracista, pleiteamos a melhoria da qualidade de vida deste segmento da população nacional brasileira, que corresponde a 56%, segundo o IBGE.
Muitos negros, enxergados como subalternizados, de fato o são. Vivem em favelas, periferias, possuem subempregos e recebem subsalários, porque a liberdade que adveio com a abolição, abandonou-lhes à própria sorte. Isso é fato, uma constatação! Mais uma vez, pontuo, desejo sensibilizar, apresentar inquietação, extensivamente ressaltar outros pontos nesta conclusão, todavia, que a prática discriminatória é uma violência psíquica, bem como racismo, entre outras classificações, um constrangimento ilegal. Ser antirracista, é ser liberal; nada a ver com o ser de esquerda ou de direita.
Fato insólito: em potencial, um homem negro que ocupasse o cargo de Senador da República no Brasil, e anunciasse a aquisição de uma mansão ao custo de 6 milhões de reais, com salário incompatível para isso, teria suas contas bancárias e vida vasculhadas, de cima abaixo. Isso, porque temos, lamentavelmente, a denominada 'Cor Suspeita'.
(...)Só os negros oprimidos, escravizados, em luta por liberdade, são meus irmãos. Para estes, tenho um poema grande como o Nilo. - Solano Trindade.
Temos a esperança que dias melhores virão, mas não aquela passiva e, sim, a esperança ativa, porque somos o 'Movimento Negro brasileiro'. Precisamos de um um bálsamo, um refrigério para a alma; algo para a cidadania!
Escreveu-lhe, Ozias Inocencio.
Ademain! (Até breve!)
Ozias Inocencio Ferreira é Juiz de Paz – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Escritor e Pesquisador. Mestre Acadêmico pela UFRRJ. Pesquisador étnico-cultural; Professor universitário. Autor dos livros: Justiça Social & Igualdade Racial; Diversidade Étnica; e coautor do livro Impunidade na Baixada Fluminense. Pós-graduado em Segurança Pública e Justiça Criminal – UFF; pós-graduado em docência do ensino superior e médio – Universidade Cândido Mendes; graduado em Direito – Universidade Gama Filho; Membro da ABPN – Associação Brasileira de Pesquisadores Negr@s e do GPESURER – Grupo de pesquisa em Educação Superior e Relações Étnico-raciais. E-mail: [email protected]